segunda-feira, 30 de junho de 2008

Proibido fumar, permitido chupar


Fui jantar num ótimo sushi bar que freqüento há alguns bons anos. Costumava sentar numa mesa ou no balcão, na ala de fumantes, pedir uma bebida, uma entrada, acender um cigarro e papear, depois papear mais um pouco, então pedir um prato, rir e me divertir, comer, tomar um chá, fumar mais um cigarrinho e ir embora recomposto para um novo dia.

Quando dessa feita, já com o cigarro aceso, pedi o cinzeiro ao garçom, o mesmo me olhou visivelmente constrangido e murmurou “É que... sabe... agora tem a nova lei e não pode mais fumar aqui...” justificando minha cara de espanto. Igualmente constrangido, saí no frio da noite paulistana para dar as minhas criminosas baforadas.

Antes disso eu já havia pedido um sakê e me lembrado que aquele era o primeiro sábado que a mais nova lei entrava em vigor, a lei seca do trânsito. Qualquer um flagrado dirigindo um automóvel tendo ingerido dois bombons de licor ou feito gargarejos com algum anti-séptico bucal com álcool receberia pena de 6 meses a 3 anos de prisão.

Jogado no mesmo saco onde chafurdavam criminosos, maníacos e psicopatas, fumei meu cigarrinho no frio do inverno, praticamente escondido, marginalizado, pensando em 1917 ou no que iria fazer se fosse preso por ter tomado um sakê.

E, sem agüentar o non-sense da situação, joguei o cigarro no meio da rua (só de raiva) e voltei para o meu balcão, encarando olhares complacentes e piedosos dos outros clientes. Dava vontade de falar “Que foi? Ta olhando o quê? Fui fumar um cigarro mesmo, e daí?”

De agora em diante eu não peço mais cerveja, peço “Ô parceiro, traz mais três meses de detenção pra mim faz o favor”.

Lei seca e ameaça totalitária



O viés coletivista imposto ao Brasil em sua história, particularmente nas últimas décadas vem causando mudanças não apenas na estrutura administrativa e econômica do país mas está moldando o modo de pensar e o caráter da população em todos os níveis culturais. Os jornais da semana estão altamente ilustrativos e emblemáticos quanto a isso.

Pois surgiu do limbo uma nova lei que pune com 6 meses a 3 anos de prisão o cidadão que, após beber uma lata de cerveja, for pego conduzindo um automóvel. Uma nova lei que criminalizou, numa só canetada, milhões de pessoas.

Então se tomarmos as estatísticas que mostram pessoas negras e pobres como mais propensas a cometer crimes deveríamos prender todos os negros pobres? Se fica comprovado que metade dos acidentes com mortes envolvem caminhões, proibiríamos os caminhões?

Vamos proibir os carros, afinal, é pela existência deles que há acidentes de trânsito. Proibamos o desejo sexual, pois através dele que ocorrem os estupros, a AIDS.

Pune-se os efeitos e não as causas. Não é o carro, a bebida ou a arma que matam, são as pessoas por trás delas. Deve-se punir a direção ofensiva, imprudente, a conduta criminosa; deve-se diferenciar a atitude responsável da irresponsável.

Essa lei será eficiente para os policiais corruptos, pois compensará ao cidadão pagar 500 reais do que ser enquadrado na lei. Beneficiará o lobby taxista e os que podem pagar um motorista particular.

Num país onde os mensaleiros não foram nem serão punidos, onde seqüestradores e assaltantes de bancos são ministros de estado, onde quem mata, rouba e seqüestra não é punido. E a questão é essa: punição. A aplicação efetiva de leis coerentes.

E a mesma grande mídia que louva ações como essa depois esperneia quando lhes tolhem a liberdade de expressão! Vemos na imprensa a idéia de uma burra unanimidade (desculpem o pleonasmo), de que essa era uma medida imprescindível, que agora sim, o país vai pra frente. Eu pergunto: a que preço?

Em São Paulo as pessoas fazem conversões perigosas, param em fila dupla, trafegam pela contramão, tiram rachas, motoqueiros voam entre os carros, andam pela calçada, e nada disso é punido. Agora quem bebe moderadamente e volta pra casa com responsabilidade será colocado no mesmo cesto que os insanos e criminosos. Quer dizer que dirigir depois de fumar maconha ainda será possível? E cocaína? Há bafômetros para o extasy?

Nos primeiros 10 dias da vigência dessa lei, mais de 300 pessoas foram autuadas e 296 presas, apenas nas rodovias federais, sem contar nas cidades e rodovias estaduais. Quem serão essas pessoas, quais serão suas histórias? Será eu ou você os próximos presos, extorquidos, torturados?

Jordânia, Azerbaijão, Quatar, Emirados Árabes, Algéria, Albânia, Armênia, Colômbia, Croácia, República Checa, Etiópia, Hungria, Nepal, Panamá, Romênia. Todos estes países têm leis semelhantes à nova lei brasileira. Pelo jeito, estamos na direção do progresso.

Acho que deveria ser punido é quem bebe e dirige um país.

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Os fiscais das ondas


Com o advento da comunicação digital, informações binárias via cabos de fibra ótica e satélites, viajando numa velocidade cada dia maior, e da própria possibilidade de se armazenar uma infinidade de dados em um espaço físico ínfimo, a questão dos direitos autorais merece uma abordagem diferente.

Lembro da surpresa que tive ao ver, certo dia num folheto do ECAD a informação que, pelas leis brasileiras, qualquer difusão pública de som é passível de arrecadação de direitos autorais.

Isto é, aquele carinha que abre o porta-malas do carro e põe um pagodão nas alturas deveria pagar direitos autorais! Relevando-se o péssimo gosto, nem tanto pelo pagode mas pelo som alto, o rapaz estaria cometendo um crime! E depois ainda perguntam o porquê de algumas leis aqui não "pegarem".

É o momento de questionarmos se as ondas sonoras - para uso privado - seriam passíveis de cobrança. Se as cores, comprimentos de ondas no espectro eletromagnético, são passíveis de cobrança. Se as formas, falas ou determinadas situações também o são.

Digo "passíveis de cobrança" porque não questiono a autoria ou, se preferirem, a propriedade da obra. Ressalto apenas que temos que repensar de maneira pragmática o que é viável e o que vale a pena se cobrar.

As vibrações de ondas, medidas em Hertz ou nanômetros, não são produtos, portanto, não são passíveis de cobrança, se quem os usufrui o faz por motivações individuais e privadas. Poderão ser cobradas apenas se a pessoa as usa para promover algum evento que proporcione considerável retorno financeiro.

Para o público em geral, o produto é o disco, CD, DVD, com apresentação planejada, informações, bem editado, durável. Esse é o produto e não as ondas que emanam dele. E prestação de serviço é o show, o concerto, onde o artista se faz presente e daí resulta o grande diferencial.

Mídias graváveis são descartáveis, duram pouco. O sistema de transmissão de dados ainda exige compressão, o que causa perda de qualidade; a pessoa fica com um disco solto, sem encarte, sem informação e com material de menor qualidade e duração.

E mesmo com toda a possível tecnologia futura, nunca um consumidor terá recursos comparáveis às empresas gravadoras e editoras, que sempre poderão disponibilizar um produto de maior qualidade e por preços mais baixos.

A verdade é que acabou a mamata. Não tem mais essa do cara lançar um disco a cada dois anos, vender milhões e ficar coçando o saco o resto do tempo.

Agora o músico vai ter que se apresentar ao vivo e ter lucro com isso. Instrumentistas, arranjadores, regentes, técnicos, seguranças, produtores, empresas e espaços serão contratados. Isso gerará empregos e riqueza, considerando o fácil acesso à tecnologia para se produzir.

Isso destruirá o monopólio de meia dúzia de majors (Sony BMG, Universal, Warner e EMI, que controlam há décadas mais de 80% do mercado) e fará com que a preferência do público se sobressaia às jogadas de marketing que criam ídolos à revelia.

Num contexto desse, qual artista vai optar por não ser ouvido e conhecido espontaneamente? Quem será o louco a processar seu próprios consumidores que baixam na internet suas músicas mas (e justamente por isso) conhecem toda sua obra, compram os discos, os divulgam e vão aos shows?

Radiohead, Lobão, entre outros tantos já propuseram saídas. Outras propostas virão. A questão é: deixemos de chororô e façamos shows! Vamos gravar nas indies, nas majors, tanto faz. Vamos vender em lojas, nas bancas de jornal, nos shows, vamos gerar empregos e riqueza, vamos ensinar, trabalhar!

Quando eu tiver 40 anos de estrada e perceber que minha discografia está entre os maiores downloads da internet, ficarei extremamente grato e honrado por isso.